Eu tenho 26 anos, sou formada em nutrição, e me casei há dois anos. E infelizmente isso é tudo que eu consigo descrever sobre mim hoje… Já fui uma moça muito diferente, já fui sonhadora, sorridente, cheia de planos e confiante quanto ao futuro, mas hoje até mesmo lembrar desta versão minha é confuso. Às vezes sinto saudade, outras vezes sinto que ela era boba e na maioria das vezes nem lembro que ela existiu.
Vivo a cada dia pensando em como evitar que mais uma guerra, ou então tentando lidar com o aperto do meu peito. Meus sonhos foram todos podados por uma realidade que eu pensei que seria diferente, quer dizer, eu nunca nem pensei que viveria isso.
Imagino que você deve estar se questionando o que aconteceu para que me sinta assim? Bem, eu caí em uma sedução, não percebi a máscara, me envolvi pela paixão e calei minha intuição, a consequência foi que quando percebi já estava casada em um relacionamento abusivo.
Ele apareceu na minha vida como um príncipe encantado, nossas primeiras conversas online tinham uma conexão incrível, parecia que ele me entendia como ninguém nunca me entendeu. Eu lembro de chegar a pensar “como um cara assim, se interessa por alguém como eu?”, era tão encantador que logo quis conhecê-lo pessoalmente, e aí tudo ficou ainda mais intenso, eu literalmente me sentia vivendo um filme de romance.
Consegui falar com ele sobre meus medos e dores tão rápido, como nunca consegui com mais ninguém, e neste ponto eu já estava completamente apaixonada. Ele me deu presentes lindos e românticos, me levou a lugares diferentes, e quando ele me pediu em namoro obviamente eu aceitei, como iria perder alguém assim? Nossa química era ótima, ele sempre me fazia sentir linda, dávamos muitas risadas e todos que nos conheciam diziam “casal perfeito”.
Com dois meses de namoro já estávamos falando em casamento, e sinceramente era tudo que eu queria naquele momento, porém hoje eu vejo que isso era uma loucura, só o conhecia há três meses e já queria casar. Mas fiquei cega pela paixão e sedução. Minha mãe bem que tentou me alertar:
Filha, isso não está indo rápido demais?
Mas eu não a escutei, ela tinha um histórico de relacionamentos muito ruim, pensei que não seria a melhor pessoa para me aconselhar, como fui ingênua, hoje vejo que justamente por sua experiência e por me conhecer é que ela era a melhor pessoa para me aconselhar. Com cinco meses de namoro ele me pediu em casamento e então eu me senti nas nuvens, todos meus planos estavam se concretizando, já estava formada, trabalhando e agora iria me casar com o “meu princípe”.
Foi então que eu baixei a guarda, me rendi por completo a história, e a máscara dele começou a cair. Todos atos românticos e carinhosos sumiram, mas eu justificava que era por causa dos preparativos do casamento, nossa conexão começou a falhar, não estávamos conseguindo entrar em acordo sobre os assuntos como antes, mas ele me dizia que eu estava sendo muito orgulhosa e eu acreditava.
Quando fomos decidir onde morar depois de casados, eu sugeri um determinado local perto do trabalho e de outros compromissos, local que já tínhamos conversado no início do relacionamento e na época ele disse que seria ótimo, mas agora para ele era inviável, dando mil e uma desculpas sem lógica e me acusando de sempre ser a irresponsável que quer dá um passo maior que a perna, eu cedi morarmos a quarenta minutos de distância por preços semelhantes, pois ele queria ali. Esse exemplo da casa é só um de vários outros que surgiram nesse processo pré casamento, sempre eu cedia para a vontade dele, tentando evitar conflitos, mas sempre me sentia culpada por minha vontade ser “tão irresponsável” e depois ficava agradecida por ele ser racional.
Outra vez próximo ao casamento, estávamos sozinhos em casa resolvendo coisas da cerimônia e ele quis avançar um sinal que eu não estava preparada naquele momento, quando me manifestei que estava incomodada, ele disse que eu era exagerada, riu com deboche do meu nervosismo e fechou a cara o restante da noite, algumas horas depois tentei conversar com ele sobre o assunto, queria me explicar e aliviar a culpa que estava sentindo, e então ele iniciou um enorme discurso sobre como ele era respeitoso e compreensivo e eu era egoísta ignorando as emoções e necessidades dele.
Talvez passe na sua mente a seguinte pergunta - Como isso tudo estava acontecendo e você ainda casou? - essa pergunta também martela na minha mente, todos os dias. Mas eu não via como agora. Depois de um desentendimento tínhamos algum momento “lindo” e eu deixava pra lá, dizia que ia tentar mudar e ele ia melhorar. Entretanto preciso ser sincera, não melhorou, só piorou, pois convivendo diariamente na mesma casa, tudo fica nítido, e eu fico cada vez pior.
O príncipe encantado perdeu todo o encantamento, qualquer coisa que acontece a culpa é minha, qualquer desentendimento é porque não sei ter uma boa comunicação, todas as vezes que quero dizer um não é porque sou orgulhosa, ele sempre está certo e nunca pede desculpa por nada.
Com alguns meses de casado ele me convenceu de que meu trabalho não estava dando lucro, e me fez mudar de área,
Som um ano de casamentos trouxe a ideia de que dois carros estavam sendo muito problemáticos para o orçamento [não estavam] e simplesmente vendeu o meu.
Sempre que quero ver minha família ele diz que eu preciso cortar meu cordão umbilical e arruma desculpas para não irmos lá.
Financeiramente ele assumiu o controle, mas sinceramente ele não tem controle algum.
O máximo que fazemos juntos é quando ele está bem humorado dar uma volta por aí, mas se ele estiver cansado e eu quiser algo, a briga é certa.
Eu sempre tenho que estar disponível, eu sempre tenho que ceder, eu sempre tenho que satisfazer as vontades dele, mas nunca é bom o suficiente, nunca entendo o suficiente, nunca sou compreensível o suficiente. E agora vivo em uma gaiola invisível, que só eu vejo, e me impede de voar.
Faz alguns meses que comecei a perceber tudo isso e a dar nome a realidade. Decidi fazer terapia para me encontrar novamente, me fortalecer, tratar essas feridas que doem tanto, e entender o que eu quero e preciso escolher, e foi a minha melhor escolha dos últimos três anos.
Para alguns, ao lerem tudo isso, podem pensar - se separa logo - eu entendo sua indignação e no fundo esse é o meu desejo, mas eu decidi aceitar a gaiola por um tempo para resgatar minha autonomia, ganhar forças nas minhas asas e então entender como abrir essa porta para voar. Eu aprendi que não existe uma única regra, uma única opção, cada um precisa encontrar o seu caminho, por isso o meu conselho é:
Se você leu a minha história, se identificou, e tem forças para voar → VOE
Mas se você como eu, se sente com as asas fracas e a visão embaçada → Busque ajuda para aprender novamente a VOAR
Fuja do autoengano "isso vai mudar", "isso vai melhorar"
E aceite a realidade de que essa gaiola infelizmente existe,
Mas você é o pássaro com asas para voar livremente, está gaiola não te define.
Com carinho
De uma sobrevivente de relacionamentos Abusivos
Texto escrito por Beatriz Fumagalli